quinta-feira, 31 de março de 2011

Horda

Que faço eu a escrever?
Eu que agora deixo a chuva escorrer
sem ressentir um pingo sequer.
Choro.
Uma outra chuva porque essa nuvem me mói
esgarçando de mim um relâmpago
porque de todas as mortes já havia eu voltado
com a beleza dos que choram um rasgo no mar.
Aos que dizem serem os da margem
digo que se os cascalhos sumiram
foi porque minha fome teve mais fome e engoliu!
Rumo a ser o cronópio dos cronópios para um cronópio irreconhecível!
Que posso eu se a morte dá a vida indescritível potência ?
Repetem algo de singular os seres experimentais
sem o laboratório vivo da sangria?
Pois vos digo infantes camelos
que ser hemato-experimental custa a morte da mansarda vida
e nesse velório vós seríeis cactos mal sabidos de chorar
porque guardam pouco sem saber suar pelos olhos!
O leão de tanto suar pelos olhos tem agora a temperatura de um cão da neve!
De barril no pescoço o veneno que suga o sangue dos que sugam.
Que faço eu a escrever?
Eu que cheiro o tempo e me celebro sem a fatídica vergonha
pois é minha a própria ampulheta que me extingue
achando todo fácil a beberragem outra dos outros de vinho
e raro os que brindam sós
bebo eu o sangue de Dionísio
se de minhas defesas erguem-se as muralhas do anti-mediano :
soldados, palhaços e divas sarcásticas
do exército plural que me dá a retaguarda da duração dos afetos
de tal altura onde só moram os relâmpagos e seus praguejos
gritam o berro comum entre a chuva e o magma da terra,
a anunciação da horda leonina!
Que há de matar cada hiena até o último riso num genocídio de gerações!
Quem há de por fim a tal dinâmica de forças se isto escrito já é pois imortal?
E, sim, se há alguém a se levantar e sair deste recinto
ofendendo minha celebração de masturbação egóica
digo
com a coroa de leão no nome e calma tântrica
que compreendo com raiva a má consciência
de quem não sabe o que é gozar, tremer a terra e esporrar no espírito!
Aos feminis que procuram o ponto G da finalidade do prazer:
vos instigo a tentativa do abissal Z :
a vontade de contração e mergulho
do Zênite ao nadir
queimando quem há de ser sarça
pela isenção da culpa que destrói
pela afirmativa da criação que é a liberdade sem asas
porque andarilha!

A imanência que se pinta na moita mas não foge!
E chacoalha a árvore das transcendências,
até caídos no chão podres os frutos
para enfim aos vermes poder dizer sobre sua serventia
que agora se dá enchendo bocas que no rasteiro vermes alcançam
trincando como moles varetas
nas cavidades gulosas de homens-anôes!

Quanta força tem a vida afirmada na potência!
Quantos choros do camelo ninguém via
porque carregava o pesadume do dever ser
com a destreza de quem carrega diamantes gigantes
em pequeninas bolsas de papel.
Atravessava a ponte
a transição que fazia valer o homem
que doente que é só se vale como força ativa em metamorfoses:
perece por não ser a criança que a civilidade deveria ser!
Tanto mais ardia o sol
mas se envaidecia
quanto mais se queimara
de tão cego pelo torpor da visão de um oásis
só deserto via
e outro
maior
alargado em outro
sucessivamente.
O oásis do camelo era só areia.
As palmeiras já haviam se tornado papiro
de outras cartas de outros camelos
bem mais comunicativos.
Uns com sede registravam a água que para eles era invisível.
Outros escreviam cartas para um Deus
que talvez de tanto apontar-lhes o dedo
de câimbra fortíssima precisou o braço ser amputado
e assim pela piedade que os homens tinham
para com Seu dever de tudo ter que cuidar
mesmo com membros irreconhecíveis
e barba longa suspeita onde tudo podia esconder
aceitavam prazerosamente a não-resposta
esforço compreensivamente não realizado
e era um bem ele não fazê-lo
deles não se ocupar
morreriam os camelos de remorso e culpa
se uma resposta viesse dos céus
ou voltasse do inferno por falta de remetente
diria a carta sem escrever
que eles a cargo de tudo
fizeram ainda mais carregar
o camelo dos camelos
que se cansadas as costas quem então carregaria?


Perto do penúltimo deserto antes do último quente infinito
com a raiva dos que descobrem todo guarda-roupa de disfarce das miragens
dos que transmutam a sede em vingança de matar um oásis afogado
crescia nos camelos uma juba que coçando era mal compreendida.
Do habituado carregar pesadumes mal acreditavam eles ostentar
um adorno de tão gritante levíssimo
preciso foi uma conversa com os cactos
mais sapientes por nunca ter que beber
e conformados com transformações
já tinham vistos a mais de mil anos
seus cabelos virarem espetos
padecendo por não ter mão dura que lhes dê cafuné
assim contavam terem perdido a sede
na ausência de mãos suficientemente duras
decidindo por si e pelo que ainda podia guardar
de desgosto aquoso ou prazer molhado
a solidão das solidões
com a calma de quem fita o sol sem secar
transbordando pelo perigo do toque alheio
a empáfia da estática
do poder transpirar pouco
e não se curvar nem a maior promessa de luz
quando isso os equipararia aos girassóis
e de certo, ridicularizados,
por onde sairia água do choro da vergonha?
Empapuçados de seguir e água de olhos mortos
cairiam na mais funda fenda do seco
que é o saber ter que morrer
e tudo ali findar
porque de seca a terra nada ali vingaria
desesperançados com o além vida
nem adubo sua morte poderia vir a ser.

Que faço eu a escrever?
Chega destacada da multidão a horda leonina!
Com o focinho cheirando a sangue de camelos e hienas
e barriga estufada de quem comeu pequenos e seríssimos homens!
Chega a horda leonina!
Que faço eu a escrever?
Se até o leão precisa esquecer
se não soube ainda transvirar criança!
Que fazem os doutos a refletir? A re-sentir?
A ressentir muitíssimo até fingirem fazer História se nem história fazem?
Que fazem a escrever?
É chegada do amoral a horda leonina!
Com chuva. Muita chuva.
Que esses leões são gatos afeitos a nadar
no espaço liso dos inventos de vida.
É chegada a horda leonina
com astutos bigodes que se aportuguesam,germanizam e patinam com a leveza de um Chaplin qualquer
em ofuscante gelo.

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