sábado, 27 de abril de 2013

Dos homens e lunetas

Chora um rio
de lótus branca
desce o dourado
rebelde e calmo
do outono.

Grita!
protege os olhos
da cruel realidade que são
as sempre tardes
dos que tem fome de comida e afeto.

E as ruínas de Afrodite choram!
Choram os chineses! Choram as ruralidades!
Choram os que sobram!
quando a terra mata
quando a terra abre
quando a terra come
quando a terra treme
Choram os faunos desterrados!
Choram os sacis chamuscados de fumo e inquietação!
Chora o rosto espancado do dândi descoberto!
quando a terra mata
quando a terra abre
quando a terra come
quando a terra treme.

Grita!
Ela é a filha do sonho e parente do fogo!
- e mãos sangraram
mãos sumiram
areia movediça inventada
no lodo dos cacos de montanha
na terra afogada
na genial gênese que o amorfo presenteia a antevida!
O nascido acaso retumbante que brota do gás e do podre!

O fogo secou o rio.
E a morte insiste no sorriso do velho.
A morte insiste,
Outono dourado!
Cheiro.
Abraço o mundo
sem ele sabê-lo
sem ele saber-se mundo
e nessa fagulha de momento
antes de saber-se vida criada
murmuram os életrons :
A poesia mora nas cinzas e nos raios.

Cadê as palavras?
Cadê o laço
infestado
de branco
e lótus?
Cadê o sonho acordado?
Cadê o balde
e o frio para se ter água fria
- não tinha - .

Na casa do alhures Judas engraxou as botas!
E cadê minha bota?
E cadê minha flecha?
Cadê o entorno da cama que eu durmo
que não é o vazio sustentado de palha
onde sonham os selvagens!

Desistamos de ler os outros!
Troquemos os óculos por lunetas!
Já não queira ler os outros se tens o livro da Terra.
Perversa argila essa coisa marrom que deu o homem.
Perverso o desprezo dos feios
que querem tudo transformar em caricatura
a treinar a extensão da sua torpe auto-ironia.

Desistamos de ler os outros para sonharmos o mesmo sonho.
As torneiras secaram. "

quarta-feira, 17 de abril de 2013

XXII ou Quando rói a ruína

pensado morto

pensado galego-morto

imaginado preso

primeiro afã-amor imaginado preso

afeto albino

idólatra monetário

charme dos que pagam por uma alma

sem grandes desperdícios

pai dos gatos pequenos

pra quê?

pra quê a hecatombe?

filete de vulcão

feto de arrependimento explodido

em orgasmo pálido

gozo cinza

boto cinza

aláude

de som funéreo

a porta bateu

e essa chuva de gilete espirrada

estilhaço de caco

na capacidade de amar roída

rói o rato a corda roída

rói a roda rói a linha puída

rui a rua apagada dos rastejos rutílios

rumina o resto ruido

na ruína que resta

do rei roído

ri a rua que resta

ri a rua apagada que resta

rói a rua que ria apagada

no ruído

no rastejo

sem riso

rumina a esperança na porta

e rói a porta

bate a esperança na porta

e rói a porta

bate o acaso na porta

e derruba a porta

antes da esperança ruí-la

bate o passado na porta

bate sem bater e rumina

a rua apagada dos sem-postes

antes da rua rir o que o escuro imagina

rói a reta sem curva vacila

rança a rima

rança a rima

rança a rima

bate o passado na porta

rança a rima

bate sem bater e rumina

rança a rima

nas ruas apagadas de quem ria

ri a rima

rança a rima

ri a rima

rança a rima

nas ruas dos reis sem valia

ruma a rota rôta da rima

bate o passado na porta

e rança a rima

chora

chora a esperança na porta

e chora a rima

rança a esperança

chora

e brota a rima

nas ruas apagadas de quem ria

dança muda rói a dança

no silêncio alto de quem fingia

rança a rima

dança a rima

morre a rima

nasce a dança

do corpo de quem fingia

rança a rima

rima o riso

nasce a dança

morre a rima

na alma do poeta que fingia.