segunda-feira, 4 de abril de 2011

Morte primeira de um outro querido

dentro parecia
se mover a morte
como um boi pequeno transita
pelas vísceras da cobra
depois de engolido em boca grande:
a morte já se mexia.
intuída num choro sem razão aparente
com o seu suspensório entre o nosso leve abraço :
descia
indigesta
ácida
até
o
fim
do gordo corpo.

eu que mato Deus todos os dias
não sei onde você está
mas sabe onde estou?
na Copacabana que você tanto gostava
mas aquela, avô, também já morreu
e parece que hoje vocês têm a mais fatal coisa em comum.

faltei sua última grande festa
seria um estrangeiro naquela terra preta
onde ninguém celebraria
ficando mais perto da comédia
a cada aperto da desgraça
conteria eu uma gargalhada?
olhariam lancinante
na dança entre túmulos e flores
o tango que você tanto gostava...

seu charuto, seu cachimbo, jazz, whisky e suspensório
seus caros gostos
quando já não podia pagar
foram os cifrões com as árvores queimadas
naquela Mato Grosso de terras suas grandes
do ceifado verde onde se esculpiam cadeiras, mesas e tronos
poderia eu receber maior herança
do que esses amigos-livros deixados ?
do que essa máquina de escrever que datilografa meus olhos todos os dias?
do que seu jazz letárgico condutor de leões?
seu livro de luz ainda não vista?
seu Zeca Malandro de Santa Teresa?
já sentia a solidão como estrela do quase manhã e deserto
agora é mais.
eu nascido de própria placenta
catarei a pá da morte quando bem quiser
e profundamente acredito
que a gente só morre quando quer

resta respeitar a sua decisão de partir
e só.
resta ler seus escritos e conhecer outras multidões suas desconhecidas
para matar saudade daquela turma que conheci.
resta o acaso da sua morte no sono
resta o seu ronco que era um navio chegando
e partindo de outro lugar você foi
sem maiores avisos doentes
como quem some de uma festa
pelo sexo e a moça encontrada
salva é minha dor pela nossa convivência de corpos distantes
porque o cotidiano é que ressente...

Anuncio: é chegada a horda leonina!
com força maior de destruir
tanto maior é o esquecimento
e com essas sementes-páginas que eram suas
já crescem como espinheiros grandes labirintos.

carrego agora a imaginação do teu corpo no meu.
darei a essa leve dor também felicidade
a menor máscara de todas
que é o nariz do palhaço
você morreu:
nasce Lupi.

Do seu coração parado e frio
surge um andar também de suspensórios
que me fará rir de mim mesmo
antes que outros o faça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário