sábado, 9 de maio de 2015

minúsculos

Há de chegar o dia
em que a poesia
estupre
a humanidade .
CAPITAL-hímen-LETTER, no more!
pariremos num uivo planetas
esporraremos na via láctea
cairemos de pé no fundo
de cada mar salgado ou doce
substrato aquoso
útero de todas as coisas
cada espaço entre as raízes do mangue
um templo e um cemitério
um ninho e uma lápide
atiraram na nuvem uma pedra:
era ouro
acertaram um pote esquecido
tristes e coloridos tentamos 
matar deus
um arco íris esmaecido
fazemos muito barulho
ele foge para o silêncio
nossos nomes são riscos de fogo
a lua se foi
só por isso brilhamos
Ela é negra !
tudo morre no tempo
hoje me falta um útero
abortei mesmo só
pele
um saco murcho de alma sem pêlo
falta um travesseiro
 uma lagoa suja e luminosa nas pontas
por uma vista qualquer entre os shoppings da Barra da Tijuca
lugar de quê maldito, enganoso
ventava
o amor láureo em contenção
outono pisca suas estrelas secas
faz um frio de meia-noite
o barro na face revela
meu negrume uma mentira :
a Noite é negra de verdade
o silêncio é o útero do som
ilusão a solidez da matéria!

:

sou um punhado de átomos
que dançam em volta de deus!

sexta-feira, 1 de maio de 2015

uma justificativa astral
pra te beijar
a
lua
cheia
não vejo entre as nuvens
assim mesmo  eriça
bate em nós o sino
de uma igreja  escondida
ao longo te vejo
 arqueia minha dignidade
pedaço de metal em curva
espelho fosco solar
pára-raio das minhas vontades
é dia de Yansã
mas esquecida de relampejar
                      (o que não é seu)
desce a chuva
dama de branco e vestido
agacha até o mar
é dia de Yansã
mas o proibido garoto
vestiu as roupas de Oxalá
por pura rebeldia
de quem dá tiros e ama
o sangue que escorre
espesso
rastejo escarlate
língua vermelha, molhada
violência e rubor
não te posso hoje
e te poderei menos ainda
menino proibido dos becos lamacentos
guardião trevoso
vigia do negrume
mosqueteiro da morte paga
esqueça tudo isso, pequeno assassino
podíamos, bem que podíamos
vestir vermelho e rodar
engasgando o cabelo de chuva
 trovejando abraços viris
você tão menino
e meus barcos tão negros
quero dançar de vermelho!
hoje vou sozinho
descalço
não quero minhas botas na lama
quero o negro entre os dedos
 teu nariz aquilino gelado roçando no meu ombro
enquanto eu danço, tu paras
no abraço inerte
a grande espuma que me espera

retalha-me em ondas!

hoje é dia de Yansã
você, assassino, brinca de bola
xinga seus amigos de qualquer coisa
de boné, feito um diabo jovem
assobia
eu, guru do nada
espectador dos astros
sonho brandamente com hortênsias nuas e deitadas
e você, acordado, sem devaneios
pensa em corpos perfurados
pauladas  arrebentam cabeças
bandido-menino,  relampeja no metal !
 se te roubo um beijo
sequestro na surdina o brio
vistamos vermelho
aqui não há fotografias
 relâmpagos quase nunca pousam para fotos
rapidamente fulminam
tigre e machado
raio, clarão
mas você não sabe dançar
troquemos essa música
ouçamos os trovões que não vieram
e a quatro olhos, juntos,
reflitamos o raio que nos parta
caídos lado a lado
feito duas madeiras negras
você antes de morrer  com tiros sonha
eu minto, lembro, escrevo
sujo a história com esse poema barato


e nele mesmo te mato.

terça-feira, 28 de abril de 2015

teu corpo
                 hera desfolhada
em lâminas de chumbo
fino
me cortas
sorri :
            relampejo

teu corpo
casco de
árvore
como se fruto
canela tivesse
maçã escura seiva de mogno
úmido, tórrido
alimento
incandescente
polpa de brasa
e lambuzo
tu queimas
sei eu
teus pés correndo
chama vertical acesa
teu corpo
dançando com esquivas no vento
golpeando o ar de fumaça muda
feito vulcão desgelado
rouco
partidor de icebergs
fogo! inflamador de azul
ladrão da calma
sussurro cuspido de pólvora e clarão
teu corpo
parte e partirá
à qualquer hora sem aviso
meus olhos estarão no cais
linceando teu navio de fogo fugidio
velas, labaredas, cera,
teus frutos cozidos perfumando
a noite dourada
o vento,  canela
teu corpo ido
fumaça caminhando nas águas
meus olhos estarão no cais
sentarei
no primeiro pedaço de chão
abrigo de ondas
com ouvidos nas mãos
taparei os olhos
e como um feto perdido
dentro da concha calcificada
cerrado na memória do teu fogo
incendiado
sobrará dos meus ossos a única pérola
eu-pingente no teu pescoço esguio
 terás perdido nas cinzas
                                                                        o último tesouro
debaixo da altura de seus olhos
serei jamais visto
perto demais estou de ti.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Desclaustro do som- I

Da série " Desclaustro do som"

I- 
Pulsa!
Pulsa!
uma vela amarela a anjo algum
minha vontade inviolável
de prender a respiração e cavar redemoinhos de fogo
para encontrar amor nenhum
além de mim
desconfigurado
Retalhado, espelhado
se cada poeira refletisse um pedaço da obsessão
de ter sido alguém desterrado
cuspido
de um país expulso
Acordo
E acordo de novo
Porque já não sonho morrer
Vivo de querer o simples
Vivo de desquerer a morte
E morro esquecendo do tempo
Ele mesmo
Minha ampulheta de ossos
Esqueço
Porque apenas o ato surreal de existir
Já é uma fagulha de dúvida
Meu tamanho diante do mundo!
Esse mar de elétrons e carne!
Toda essa quântica que desconheço
E a dúvida faz morrer
Bem mais rápido que o tempo
Existo simples
Apesar dos meus enfeites
A alma deve ter um cheiro
Um cheiro qualquer de flor
Descansando em pedra
Sonho, enlouqueço,
Acordo e acordo
De novo
Já não morro tão rápido
Já não vivo tão devagar
Deito na dobra do tempo
O interstício impossível
Lago quase nuvem
Nuvem quase lago
O tempo do vapor
O hiato das moléculas
Um nada nunca é um quase nada
Um todo nunca é meio todo
Na nuvem quase lago
Evaporo.
Dinamizo.
Renasço
Recriando o espaço atômico costurado de palavras
Que são quase nada
Todo do muito que nunca é dito
Desperdício de silêncio
Esse sim
O maior bem que há
O crepúsculo do som!
A nuvem de lodo que brota no fundo do lago!
A evaporação de todas as estrelas
Quando o universo mudo
responde simplesmente
O esplêndido, quieto e negro
Ato de existir

Os deuses deitam em silêncio
E despertam com o próprio susto
Do som de suas gargalhadas.

Poemas de contenção ou A descura insana 3

3-
pedra grande esta que me vê
mentira!
perto dela nada sou
eu que rolo ela
só dorme
o sono dos justos porque só
são.
chove fino envolta do bambuzal
uma moça de olhos verdes
na roda, pede aprovação
e me parece que essa tal
de arterapia funciona
mesmo sem arte
chamariz bebeu da fonte
medroso, engasgou
viu os loucos, os decrépitos
com os carcomidos almoçou
desceu
no que sobrou de vivo
desconcertado
espirrou entre as migalhas
              tudo no chão
              tudo com fome
 à beira da trilha
insaciavelmente marginal
a psicóloga desarramou seus sapatos
negou a ajuda de um viciado com olheiras
eu vi. ele não:  ela talvez.
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                   Já dei todo meu falso dadá
                              meu torpe dadá
uma criança tenta olhar o que escrevo
e hoje não quero crianças apesar de amá-las
nem pó, em que pese e levite o gozo
pela minha loucura centrada troco
de epifania, casa do amor-dádiva
por moedas, por bananas, pelas teias
                    O TEMPO NÃO VOLVE
                    O TEMPO NÃO VOLVE
                    TODO MEU DADÁ, DAR-TE-EI FINGINDO
                    HEY, DADÁ
                    MAS O TEMPO NÃO VOLVE
                    NEM PRA VOCÊ, DADÁ!
                    QUE JÁ É TUDO E NINGUÉM
                    FEITO UM BUDA DE PRATA DERRETIDA
                    POÇA DE LUZ GRAFITE
                    ARREBATO DE GRAVIDADE E METAL, HEY DADÁ!
                    SOIS BUDA, PUTA E MENSAGEIRO DO CAOS
                    SURUBA QUÂNTICA DE ELÉTRONS
                    PRENÚNCIO DA FORMA
                    LUMINOSO, ETERNO, BELO E SUJA
                     RECÉM-NASCIDA LÓTUS INFAME!

falam da ceia de natal
uma ceia no hospício
um lual sem praia
estrela do mar
             rosa calcificada:
                                         um beijo
                                         e dois desertos

iluminar de fogo um jardim de cactos
engasgar de chuva a boca
seca
-torpe imagem-
ELE TEM MEDO DE MORRER ELETROCUTADO!
CHUM!
virou alma
 doida carne derretida                           
pulando amarelinha nas nuvens
arrancando barba de santo
esperando trovejar na cara de um espírito qualquer
REENCARNA, DADÁ!
REENCARNA!
porque todo cemitério na noite tarde
é um baile de sombras sem gala
LEVANTA E ANDA, DADÁ!
LEVANTA!
a linguagem te trai!
o código escrito  tua amante desonesta
sonhe mudo, dadá
pré-pense o gesto no corpo de luz
um aceno desembaraçado da carne
que pule como um orgasmo sofrido e duradouro
porque parido das estrelas  distante e perto!
UIVE TEU GOZO, DADÁ!
ninguém lembrará de ti
só os vulcões reconhecerão teu nome
e uns poucos humanos feitos de fogo
lógica insana  tuas pegadas vivas
pingando ardência pelo caminho escuro
ainda nosso melhor antídoto
alho e estaca cravada
na normalidade que insiste

a matança dos sonhos despertos.

Poemas de contenção ou A descura insana –2


2-
Pessoas levantam halteres de pedras
e minha fada no halo
                         nada fala:
                                         deita o sol
todos muito bem medicados
jogam futebol
              eu
                  sozinho chuto
                                                            minhas palavras
              boca adentro

não sei que dia hoje a lua é
         e nem se a cocaína
         roubou de vez  o poema que nunca
é
nem será
meu
caleidoscópio de pano
essa colcha de retalhos
e letras:

ESCREVO:
MAS NÃO HÁ COMO ESCREVER
                   ARARAS
           SE SÃO POMBOS
ME ESTRISTEÇO
ESTOU PRESO
fora de qualquer metáfora
ESTOU PRESO!
salte de mim um homem melhor
salte de mim um equilibrista, um marceneiro
dêem de paulada com uma escada!
me surraram na ponte
e não atravessei
era escuro
tão escuro
os vagalumes fugiram e as cigarras 
comendo
suas próprias asas
emudeceram
ESTOU PRESO
é físico e fora de qualquer metáfora
ESTOU PRESO!
ISSO TRANCADO DENTRO
PULOU NO TILINTAR DOS CADEADOS
NA TRANCA, EMPAPUÇADO DE ABRAÇO
PEDRA, MEL VERMELHO!
DOCE SANGUE ESTANCADO ENTRE PAREDES E VEIAS!
lembro ter sido um feto.
um tigre de Hilda, uma lança
um louco ferido
 que em vez de acenar com o lenço
se enforcou
VIOLADOR DE UNIVERSO! FUGITIVO!
ASSINANDO CONVENÇÕES
SUJANDO O NOME
BARRO SINTÉTICO
COM FLORES BRANCAS E MENTIRA!
zunem baixo abelhas com penas
MONSTRAS QUE SÃO
fazem casa e mel
na parede dos abismos
me trancam às 8, me soltam 6 e meia
                        e no meio disso
                                 livre
                               sonho
acordo no verde-pálido
              hospitalar
                              a tatuagem aparece entre meus pêlos
                                       mais anedota que desenho
                                            como posso carregar
                                                  LIBERDADE
                                              num lugar desses?

um velho alcólatra caça pitangas
            já não reclamo: há àrvores
mas um bosque em contenção
           inda é um presídio, né, meu deus?
amarrado clamo
          uma chuva de tesouras
Aqui, os loucos caminham de forma retangular
           e dentro disso tudo
                 uns gritam gol

                        eu grito ai.

Poemas de contenção ou A descura insana - 1

Poemas de contenção ou  A descura insana

1-
o canto do pequeno pássaro 
               entre gotas
                          rompe a chuva   já cessada
hospício de sóis e as luas em jaula
        gastam o domingo
               como quem morde uma
 maçã podre e ordinária
desesperados  porque demais famintos.

HOJE A LOUCA EUNICE NÃO BERRA
a sombrancelha fatal não ar
                                                  quei
                                                            a
e cravados na grama meus pés ainda pisados!
O VERDE! O VERDE!
AFUGENTE DESSA CLÍNICA O GRIS!
SORUMBÁTICO GRIS! DEUS-DESCONHECIDO!
E tenhamos um sonho onde
a janela abrir depois dos olhos cerrados
a paisagem vermos sem cadeados
admirada.