quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Rascunho da segunda morte de um outro querido



perdoem as letras minúsculas e a torta ortografia. estou cansado pra corrigir. e, no mais, a morte não é nada senão minúscula. muito minúscula. uma acupuntura de perdas diárias.

Entre um canto meu e outro que acompanho para minimizar meu caos: erro de som: um batido. Toque fraco: como se o braço tivesse que agora abarcar muitas pessoas por consolo já concordado quando funerais acontecem e desconhecidos familiares se encontram. Era um toque que premeditava o cansaço do abraço funeresco.  Abro. Penso imediato ser apenas um pedido de volume mais baixo. Já são 4 e pouco de natal. Não. não era um pedido. era um aviso. quase sabido aviso, antes só um medo de hipóteses doídas.  veio um pouco mais cedo do que suporta levemente esse isso sintetizado chamado coração.
ela abriu e disse- com braços e olhos cansados-  tia Lola morreu.
não queria falar nada, tampouco ouvir além do bastante. que ás vezes não há mais nada mesmo. e um vácuo estimulado à insistência é muito trabalho de corno pra mim.
disse não querer ouvir nada mais e iria cantar algumas músicas e desligar. músicas especiais de partida- grande ilusão achar que existe alguma musica especial pra morte: a morte é um silêncio de floresta com todos os bichos escondidos. uma floresta que espera tempestade.
tentei cantar uma, outra e mais outra. cantei só porque da fala já nada queria e da palavra “fim” pro choro é um pulo assustado, mal sucedido e manco. continuo não querendo falar. não obstante corri pra transmutar isso em um punhado de letras sentimentais encharcadas de  má literatura. fazer o quê? uns fumam. em alguns quem paga são as unhas e noutros documentar o inenarrável distrai. só isso: distrai.

a morte do segundo outro querido. vou dizer assim pra qualquer filho que tiver- sua avó dos olhos turquesas morreu num dia de calor sufocante e muitas estrelas. a agora falta de futuro  chegou depois de muitos presentes trocados. e penso agora também que a morte é o apagar dos futuros. contaria com ares de bufão in disguise que ela tinha um vocabulário Dercy. e compartilhava nessa comicidade uma  relação engraçada e fria com os sexos. cada palavra xingada era um acontecido não feito. suas palavras grandes eram o  seu não-lugar do sexo, e só por isso podia tratá-lo com esse cintilante desprezo escrachado. ah! seu sotaque! filho, seu sotaque era aquele chiado de r  ítalo-paulistano apesar de ser filha de lares espanhóis e por isso levar a insígnia “ Lola”. que Lola não é nome , é insígnia mesmo. tanto é que é emprestada a contragosto social às infantes sexistas que piram adultos covardes. não emprestam. as pequenas e espontâneas aprendizes de puta o tomam pra si como tomam pra si esquinas. Lola é título, não é nome. quê mais?


quê mais falaria... do seu gosto musical de repente o tango vale ser lembrado e as belas canções do jazz standard americano. quando observava seus olhos tocando os azuis do Sinatra, pra mim, só pra mim, parecia que daquele choque azul ela saia toda vestida de jóias e vestido cassino-gala. dizem com segurança assim ela ter sido há um par de décadas atrás. cintilantemente rica. e boa cozinheira. apesar de não ser um tipo prazeroso de se assistir fazendo uma faxina, por exemplo. de olhar dava pena das unhas. polida garra de senhora-dama mesmo descendo de roupas baratas a própria bancarrota.

Antes de partir- se é que alguém vem nos buscar- soltou um “ vai tomat no cú, que eu não vou!” e todos os deuses riram do seu escárnio glorioso. mas entre risos e teimosias decidiram por bem de sua dor levá-la mesmo assim. Foi em dia de festa naquela vaga e mágica hora depois da euforia trocada entre todos os  amigos ocultos e menos secretos familiares. Aquela hora em que tudo já está frio e  as luzes da árvore piscam insistentemente para o nada. 


era de sua casa o jazz
os livros
e o tango
entremeado de passos vestidos de caras jóias
compassado por seus palavrões
esponteado tão igual e solto
o vento batia alto na janela
onde cresci vendo pessoas emolduradas
as tristes e as felizes
e as que não tem carne também.
naquela sala em hora tardia
sobravam só os ditos adultos
eu insistentemente ficava no meu lá
cabeça baixa apoiada nos braços paralelos
travesseiro de testa para menino ouvir o murmúrio excitante
que eram as conversas dos que já viviam sabendo algo de temor e morte.
eu, pequeno, só existia
e era tão bom só existir!
até você aprender que algumas coisas deixam de existir...
 topa com a maldade do mundo
começa aprender morrer bem aos pouquinhos pra não doer
inventa lógicas que justifiquem esse cuidado todo
atravessa ruas
pensa o quão irônico seria
morrer atropelado ou de doença fatal qualquer
e principalmente quanta preocupação desperdíçada.
aí ficamos de súbito alegre que a vida é curta
e começamos a morrer rápido de novo.
ate doer.



se há música
é um canto de pássaro atingido por uma pena dura.
se há música
é uma gota de orvalho suicida cansada de dependurar-se
em verde qualquer
goteja final e morre poça.
se há música
é a trilha dos corações mumificados
se há música
ninguem ouviu 
as árvores piscaram
a comida esfriou
partiram as renas e trenós cheios de lembranças
que para sempre
irremediavelmente
parcamente
serão as eternas substitutas
do corpo 
do gesto
:
a lembrança é o lúmen do corpo subtraído o gesto
extinto o cheiro
de vida.









quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Pequena descrição de um filhote de lodo


Era um bicho das ondulâncias alimentado por tsunamis
e por viver no calmo fundo
morria de fome
mastigava naufrágios
palitava faróis para fora dos dentes
e rochas na saburrenta língua
vestia corais tanto no ócio
quanto calcário no trabalho
informal e simples
de vender anêmonas
negados os fiados aceitos
só no ultimo dia do mundo.

suas mãos eram de uma caricia placentosa
como o gelatinoso verde das algas:
tocava frio e colante:
turvava.

Sal


vapores baratos desmaiam no orvalho
ousado de verão
rompante de água caído
sobroso no chão
afogo de grama
:
há mais de um circulo de sal.

imaginário não-circulo
-fluxo.
que se fizesse
as linhas tubérculas
talvez não escreveria
um branco e preto-xadrez
fertilidade de pedra
encostada numa xícara
tatuada de qualquer arte
cansada de carregar na boca
uma maçã
com tantos cravos
quantos viventes aqui
de cada furo
uma vida
de rede epitelial
vontade
nervo
eletricidade nas veias
e osso.


deita na relva inventada
a vontade de potência
e o sopro de vida
o jogo entre os conquistadores do desconhecido
e todo índio que mora em nós
nos banhos nossos
de cada dia
no branco espanhóis
no preto índios
tudo de madeira
relutando anti-fogo
central que rejuvenesce
extraterrestres e alcolizados de qualquer tipo compulsório
 um milho preto sorri
cheio de vermelho na boca de trapo
Amy recosta sua bebice no ET
de dedo em riste par
a vela de um fogo
avermelhador de maçã
o fogo
o maduro
e fruto
longe do podre
dois senhores cósmicos
dizem um tímido oi
entre os dentes por volta
contando com eles todo olhar acusa
o crime q´inda hemos de cerzir
por nós
e nossos ais
deitados de joelhos moles
e cabeças em carneiros
do pulo e cerca entre o vivido e o sonho
enroscou-se fatal
num farpado modo
de prender com muita dor.


com lanho lanho lanho lanho.
lanho e sal
outrar arde. e lanho.
merci. o latte?
azedo bebido
do gato careca que morreu.
tudo tarda, gato.
calma.
tudo tarda.
menos a morte.
que chega de espanto
como um elástico arrebentado
a chicotear a cara
da vida que sobra.

Corrente


dou adeus às toalhas sujas de sangue
ao óleo derramado
aos incômodos mosquitos
minhas vítimas de aquém-túmulo
mentiras intestinais
meditações insones forçadas
navego pelo meu corpo em um baquinho pequenino
por entre sanguíneas correntes
onde cada linfócito é um farol branco
a me avisar de virulentas tormentas
navega sem vento pela maré vermelha
intensa
pulsátil
de longe sentimos nos pés trepidarem os círculos
nos agarramos no mastro mais próximo
e depois de temer intensamente os redemoinhos
lembramos por nossa própria sanidade
que era só um coração
e mais um daqueles marinheiros desavisados.