segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Asa e gordura

pousa e repousa
tenta calçar o chinelo?
come a mosca
a gordura das minhas
pegadas
pousada
ela me fita
com caleidoscópio olhar
parada
no preto da alça
esconde para rir
do tapete felpuldo em volta
um mar de revoltosa
espuma
para ela
pequena negra
muitos de seus parentes
vieram também nas feridas
negras do navio negreiro
outras vieram atrasadas
por debaixo
das saias de moças bigodudas
da mal cheirosa corte portuguesa
são por isso
as moscas
impacientes
e
poliglotas
nada sabem agora
aprendem no ovo
e esquecem.

comia a mosca
a gordura da minha pegada
fico feliz em ter sido
por segredo designado
a escrever seu diário de bordo
mosca catarse devoradora
zumbido de ferida
asco volátil
chove pesado já fora
vou te chamar um táxi
comprar galochas
saciar a tua inveja dos meus chinelos
não, nome não se compra,
vou catar um na rua e te dar de amigo oculto
no próximo natal
que piscará na tua comunidade mosquenha.


peço em troca
a permissão
de quando em quando escrever
algumas páginas do teu diário
porque tu não sabes negrinha
quando escrevo tua vida
de pequeno corpo pulsante
eu que perco as asas
viro larva de novo
e pouso
bobo
finjo tudo isso
só pra ter o que escrever
minha alma-tinteiro
sabe o tempo que dura o passado em mim
e distrai carrosselando palavras
os minutos necessários
para a fuga do comigo incólume.

escrever as tuas fotografias
é incendiar o projetor
dos meus filmes tardiços
dividir
o espaço com tua universalidade
a sair eu do navio negreiro
atracado e cheio de vergões
alvo açoitado margineiro.

mesmo sem voz
com teu zumzum
saias por aí avisando
que agora tenho tempo livre...
que agora me demiti
do meu antigo emprego de maquiar cadáveres
fale com as abelhas, marimbondos e libélulas
que sou fotógrafo de letras
e aceito como salário
o sal árido dos silêncios e qualquer
gaveta no cemitério
onde os que despencam em si
velam suas asas.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

10 ou n - Do presente e suas minas terrestres

Sinto agora menos o cheiro do sândalo. Não pelo meu nariz, nada débil ainda. Mas porque hoje escrevo no ar fresco. Sinto o vento no meu corpo quase nu e quase choro. Choraria se isso fosse poltrona e minha tela cinema. Aqui há muita luz e de tanta quase não vejo o que escrevo. Desvio o meu olhar para não me fitar nos olhos. Não quero me constranger. Preciso fingir para mim que não estou aqui senão não escrevo. Se eu sangrasse perto de você talvez te mataria. Paro. Minha mente fala freneticamente para a mudez. Não. Minha mente fala freneticamente sobre a mudez. Meu ato falho. E não vou usar a tecla do voltar. Quero uma chuva de atos falhos. Acredito melhor ser do que uma garoa de canivetes. No próximo amigo oculto vou te dar um ato falho de presente. Aviso de antemão porque quero que você já vá escolhendo a cor. O tamanho é uma surpresa indizível... A música de fora confunde um pouco a minha naturalidade. Ouço sem querer ouvir. Ela que é repreensível fuga. Vou tentar escrever vendado. Não me posso olhar-te nos meus olhos. Seja lá o que isso queira dizer. Meu escritório é no jardim. Escritório não. Porque não te escrevo por demanda. Hoje, te amo no jardim.
Melhor assim. Hoje, me amo em flor. Pior enfim. Porque venta forte: o que dramaticamente me despetala.

Parei. Nadei no branco. Volto com o fluxo intermitente da minha urgência em ser honesto e não raciocinar. O que há por trás dos parâmetros escolares vividos, da célula familiar imposta pelo bem querer do outro que não quer ser outro só porque tem no sangue igual marca d´agua, do dito mimético do televisivo, dos desamores, da desaprovação, da falta de carinho com todas palavras quando discriminamos os palavrões e tantas outras exclamações que são nosso dom de ainda se arrepiar com o mundo... E principalmente: o que há por trás do pensamento. Tudo se imaginarmos.
E nada na morada do raciocínio: o treino do reconhecível. Olharam agora minha cara de honestidade e perguntaram se estava tudo bem. Acho que não fui reconhecido. Paro. A célula familiar insiste em invadir. Vou abrir concessão. Tão estou comigo. Na verdade abro concessão para que eles fujam. Vou cantar o número do bilhete. E vou fingir com uma corneta o apito do trem.

O claro fluxo da distorção. Como condensar os sentidos até eu cacarejar e botar um (n)ovo? Como condensar toda a tempestade quando se tem apenas um copo de água?
Arde em pequeno copo essa aguardente que é sentir demais. Acho que minha boca deveria ser no pescoço para afastá-la da face. Falta pouco. Já tenho dentes nos dedos.

Mordo e te assopra a brisa. O invisível que bagunça os cabelos e torna visível tua feiúra não fosse o pente. Não fosse o pentecostal. Que aceita teu desgrenhamento porque, caro, tu és bom. Garoa canivete. E tudo que queria te contar já se transformou em outra coisa. Fiz uma lista e até agora nada assinalei. Nado no branco. Fiz bem em transar o acaso. Teus sentidos não podem ser meu diário de bordo. Aliás diários de bordo não deveriam existir. Diário igual a regular. E não é todo dia que se tem papel, nem todo dia se fura olho com caneta. E diários são documentos passadistas. Nosso jogo aqui é o fluxo que estremece, mas não goza. Tântricamente se engole porque o presente não tem pés para fugir. O em si do presente não existe para quem se ...

Acabo de me recuperar de um susto e tenho o coração ainda raivoso. Pensei ter apagado sem querer tudo o que havia escrito. Quase deletei meu agora. Como as teclas são propícias para a auto sabotagem. Basta a mente induzir um escorregamento pelos dedos e pronto. Tudo branco. Como se auto sabotavam os escritores de máquinas de escrever?

O em si do presente não existe para um espantador de segundos. Mas quem voa? O espantalho ou o passarinho-segundo? Não. Esse espantalho espantador tem asas. E no pouso tudo voa junto. O presente não têm pés para fugir porque só saberá andar no futuro. O presente não sabe. O presente só sabe acaso. Ele cai. Por pensar saber andar, por lembrar de um andar passado ele cai. Tomba pra frente feito árvore pesada e serra. Cai porque anda sem tatear e não vê que os pés são os mesmos, mas mutáveis são as geologias de terreno que nos precedem. Cai pra frente a árvore , rola no íngreme do acaso – já é toco- e torna a cair agora fundo. Cai agora fundo no lago. E os pés são os mesmos. O presente não sabe. A idealização é a corrupção do presente. O por vir imaginado é propina para calar o segredo do acaso. Qual o segredo do acaso? Quando não se sabe desconfia-se de qualquer sapiência. Qual o segredo do acaso? O presente não sabe. O presente é sempre uma criança no devaneio de ser criança. O presente não tem pés: engatinha. E cai. Por isso corrompem o presente com propinas tão vulgares como balas tic tac. Querem calar a criança com balas. E não se fala de boca cheia, dizem os que atordoam o presente com açúcar. Quando há insegurança nunca as crianças são consultadas. Elas possuem o devaneio da verdade que não é verdade: é apenas a linguagem emergencial da franqueza do não saber. O presente não sabe.

De nada adianta o esmero técnico e os revisionismos. Assim como de nada adianta reler o todo escrito até agora em busca de alguma coesão entre mim e tu, leitor do invisível. O presente é fatal e não tem pés. Só anda quando estende os braços até tocar o chão. E o toque não se faz de mãos. O chão beija a muleta e tudo finge andar. Com braço-muleta estendido caminha o presente cambaleante; a muleta esquerda ensaia os passos que aprendeu lembrar e a direita dança os passos tolos da esperança. Leitor, entre esse mal ajambrado e cambaleante presente espantalho propinado e o mutilado presente, fico eu com o ápode acaso, fico eu com o que não tem pé. Nem cabeça. Fico eu com os mutilados das minas terrestres. Pelo gosto do tempo antes as minas do que as balas. Mesmo as de açúcar. Sobretudo as de açúcar. Sobremaneira as que calam a criança-presente por não respeitarem o seu nada saber e tudo falar. Ela vai no âmago da terra porque desaprendeu tudo da vida embrionária e intui a natureza da intuição. E a natureza da intuição é o não-pensamento, ou o pré-pensamento, caso alguém aqui faça questão do que existe. O canhão do passado por onde se mete a bala pela frente ou a traçante de verde facho luminoso do futuro? Nem um. Nenhum. Nem outro. Fico eu com os mutilados das minas terrestres. Se pisa no acaso e logo explode em sangue os pés do presente. Mas não há traumas. Nem lembranças de guerra. O presente nada sabe. E sorri um sorriso de criança que convence o mais duro passado.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Depois os bastardos

Eu macumbei a cidade toda
pra não te receber
serás o último estrangeiro desta terra
quando terão que salvar
primeiro os nascidos
e depois os bastardos
nesse ínterim de espera
bastará para se o acaso quiser
queimar com força toda
nem a viril força dos moços
nem a gentil esquiva das moças
tampouco a vista grossa
nada
irá
fazer
molhar os olhos
da minha querida Yayá.

tu, você e isto morreu
mendigue em outra porta
um lugar para deitar teu fantasma

9 ou n - Do amoral no cotidiano fantástico

Vamos começar um ludens de exorcismo e sepultamento. Tenho uma música em bom tom tocando. Que vai dar em outra mas essa ainda não sei qual é. Já veio em lânguido rastejo francês. A massa sonora da via láctea: sensual suspense debruçado na mureta oferece um punhado de flor pra quem passa. Vou deitar o ponto de exclamação e falar baixo. Não tenho muito o que dizer hoje porque estou com o vazio do alívio. O deus de mim é um vazio espaço liso. Talvez seja a lua de tão cheia urrante e leonina que nesse agora me faz ficar assim entorpecidamente querendo unhar. O tateio áspero e cortante. Ou para coçar as costas da morte. Onde o braço não alcança ou a foice pode rasgar. Antes da morte se contorcer coça. A esperança é a certeza dos outros. Sou um touro de cristal. O presente é um ontem adiantado. Ser sábio é intuir a natureza da intuição. Caminhei até rua de baixo.



de longe
um barco
quase não reconheço
a antiga vela
branca e decidida


não é um amor ordinário. Isto não é um ordinário. É sua sobremesa que lhe dou. Gélida e reconfortante. Para quem vê beira e também vê curva que leva em outro lugar mais plano de pensar em menos. É fatal: como igual a tudo na não expecta delonga. Murchou e enfim apodrece o broto. Enfim envenena-se a árvore para outra no lugar nascer. Vicia-se a terra para suportar humanos como nós. Esse nós conosco espantado. Em cores já me misturo e espirro porque agora não posso ser nada a não ser branco. A tábua rasa da defesa nova que se espanta com espinho de flor que é rosa. Só rosa. E o meu corpo em mística virou o quê? O amontoado de tecidos carnais ora adiposos ora musculares que regem o ecumênico. O quase imoral, frustado. Porque quer ser amoral.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

8 ou n - Da mea culpa encobrada no cotidiano fantástico

Escrever não é passatempo. Só não sei passar por mim sem levar um susto. E antes desse espanto é um turbilhão que arranca um tampo da terra e jorra um poço. Afogo e bóio, afogo e bóio. Peço licença sem pedir desculpas, invisível leitor. Sei das agruras da política e sofro a fome do mundo. Sei das águas contaminadas, do boi, da soja e do mercado negro da venda de carbono. Intuo as distâncias daqui até os diamantes negros do Oriente. Mas ainda não posso falar. E se as letras são essas que sejam. Eu vivo na urgência. Não sei até quando posso. Apesar de saber o quanto eu quero. Já quero o tudo ontem. Sei das quadrilhas fardadas e dos incêndios quando o tempo é seco. Mas dizem que vou morrer. E escrever é estender o querer ficar comigo. A tentativa de escrever o fluxo não-raciocínio-lustrado é minha chance de ser honesto. Não posso te contar tudo. Queria que você estendesse a mão, alongasse seus braços...e suportasse o desconhecido. Como desconvenção do desconhecido. Desnomeie a gravidade e dê o apelido que quiser. Hoje o oculto me é a vida. E se ousasse etiquetá-lo me condenaria. Gravidade, energia, fusão, combustão: tudo isso nos afasta. Rotação, translação...


Quase nada me resta do que eu era antes. Meu corpo é uma casa abandonada por soldados. Quero continuar. Tenho tanta sede de vida que me permito chorar até molhar minha boca de sal. Se soubesse às vezes o tédio que me dá ter que escolher cada erva para cada ferimento e o dormir ser suportável. Estou fatal. Foi filme visto hoje. A menina caía numa gruta parte de mina abandonada e era mordida por uma cobra que estava dentro de um cadáver já esquálido. O homem atendeu o chamado porque era seu nome o grito. Perguntou se a cobra estava acordada e atirou um bocado de tiro. Da subtração do veneno ele cortou em cruz a mão da menina e chupou o veneno. Nada não visto outrora em qualquer canal de aventuras animalescas de safáris mal sucedidos. Já disse que se alguém me visse sangrando perto e encostasse talvez mataria. Eu engoli uma cobra divisível que me sai pelos poros. Escrevo porque cada letra que pula é uma boca a mais para chupar o veneno. O oculto aqui é uma honestidade ampliada. Tenho dor de cabeça. Sinto agora uma vontade de escrever até a completa exaustão. O cavalo na neve, estou vendo o cavalo na neve. Dentro do passatempo que é ler... Paro. Não quero me teatralizar.

7 ou n - Dos ladrões e crianças no cotidiano fantástico

Sou um farol de rochedo flutuante. Tenho rocha de nome. E meu cérebro é uma colméia. Estou agora num quarto que é de mãe. Onde é silêncio. Espero daqui sairem todos vivos ou verdadeiramente mortos. Minha missão: apenas uma agora. Aprender a ser criança com crianças. Preciso voltar ao pré-pensamento, a pré-escola. Preciso aprender a transaprender. Aprender tudo de novo desaliviando o presente fugidio quando não se tateia firme os sentidos. Do mais o presente é uma contração vigorosa de todas as moléculas do passado. Se nos foge o futuro porque esperançoso e sempre o desdobramento arrependido do anti-ideal, quase voa o presente inaudito. Meu tempo morreu precocemente. Sim. Estou chorando e não quero parar. Ouve? Estique o pescoço... Ouve? É que meu choro é você, que é um nós que chama de mundo nossa própria criação. Meu choro é o brilho excessivo e aquoso do deslumbre vital. A experimentalidade se faz nos átomos do sangue. Se eu sangrasse de repente te mataria.
Talvez o seu desaviso, acostumado com os lirismos iludidos do romântico amor dificulte sua compreensão. Escrevo aqui o vivido hoje-agora. O jorro do cotidiano fantástico. A lente aguda de cima e degrau. Tropeças... Não tente me roubar metáforas. Já roubei tanto de mim que não mais as tenho. Te escrevo sem truques gatunos, não vou roubar tua imaginação. Ela é tua e deve ser. Por isso ainda não te conto um conto. Não há o dito do ladrão que rouba ladrão e seus perdôes? Somos ladrões. Não nos roubemos.
E não te roubo porque não quero perdão. Não posso ser perdoado, porque em mim justificarias o teu bom e o teu mal: o que me traria a traça da culpa. E me quero bem. Somos ladrões. Um ladrão depois de cumprir pena é menos ladrão? Uma de nossas diferenças é o fato de eu já conhecer a minha pena. Já sei os anos e seus números e suas dízimas periódicas quando se tenta dividir o indivisível inexato. Mas já cumpri minha pena. Estava preso sem ninguém saber. Por isso agora me recuso as penas, porque nasci. Porque o ovo era ontem : um neném galinha não pode ter pena. Cumpri minha pena dentro do ovo. Talvez outra diferença: era um ladrão de galinhas. Você um tu perverso. Um homem do saco que roubava crianças. Seqüestrador devolve quando na recompensa expectada. Eu roubo e não devolvo porque o que é meu é teu. É teia que roubo se posso refiar. Se eu sangrasse de repente te mataria. Paro. Desencapou um fio. Vou tirar da minha boca o gosto de café.

Volto. Nasci ontem. Preciso aprender com as crianças, não quero abafar. Minha cabeça gira por dentro. Quero terra para plantar amigos imaginários e quando isso brotar te dou um conto. Que flor brota no gelo? Como se decora um iglu? Se eu acender uma lareira dá goteira que desaba o teto porque derrete? Perdi o interesse de conversar com os adultos. Para eles quero ser um cego: justificativa para tatear seus rostos sem embaraço.
Isso. Vou apagar a luz dos meus olhos porque não quero espelho. E olho de outro é espelho alhures perto. Vou instalar um interruptor no meu olho e apagá-lo quando quiser. Sou ladrão. E tenho arma contra narcisos. Você também é ladrão. Mas não sabe o tempo da pena. Porque mesmo se te prendessem e soltassem tua pena seria eterna. Dos átomos do tempo só vês uma massa-nuvem. Aglomerado de culpa. Não és ladrão. És um prisioneiro que rouba de si porque do banho de sol não rouba as grades.
Eu sou ladrão de galinhas porque sou ovo e roubo o cálcio da vida. Se eu sangrasse perto de ti talvez te mataria. Você ladrão é o aquele chamado no 6 carinhosamente. Você ladrão hoje é isto: sequestrador. Isto e aquele que sou eu lido em nossas prisões. Tirem as grades, paciência: sobram os muros. Escalas? Se para a morte não há escala maior do que a escalada menor que é a descida íngreme até o micro-cosmo. No inferno pequenino onde moram as grandes vidas. Roubarás, gatuno? O que se não enxergas? Estamos quites. Vês? Agora também não enxergo. Desliguei pra te tatear o meu interruptor. Sem embaraços.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Veloz idade da cidade

a morte é um flerte
que haja ver
em inerte
é o jogo descansado
calarás o homo ludens?
excitarás contra o faber?
o quê?
quantos carros querem
para aumentar seus pífios falos
em velocidade?
o dinheiro é um bem dotado
de vaidade manca
que com três pernas
finge andar
em velocidade...
elas olham
eles olham
verás a idade?
veracidade...

ver
a
cidade

sem idade
desfalida
desfalada
desfolada
em velocidade...
sem ver idade
eles olham
elas olham
o dinheiro é um bem dotado
na conta das veleidades
eles pagam
elas pagam
e sem ver a cidade
sentam em seus falos
com velocidade...

"De bagaços em cabaços" por Darcy Rebento

a melhor fruta da uva
é a semente
melhor chupar
que escrever
chupando acerola
enterrava outrora
alegria
aurora
jabuticaba
o gosto que acaba
se deus é o destino
onde se tem livre arbítrio?
carambola?
conheces?
é estrela também
não-astrológica
o gosto que esquece
é o umbu que derrete
na boca outrora
volta acerola!
e já desfaz eterna estrela carambola
ou o caqui que desfaz
porque é vermelho
escorre
escreve o rizoma
atenta o gengibre
a fruta é pretexto
pra goela seca
é água
açúcar
rejeita
cá? aqui?
eu

aqui
e agora?
devora?
o engate do desgaste
sexo maquínico
respaldado do etílico
porca falta de coragem!
pobre sendo
beijam chão
e a carambola?
ah, esta!...
é estrela quando se corta metade
e ilumina o de dentro
quando vomita
chão
e
verdade e
respinga e ...
onde o gentil
há de abrigar o ácido
como contravenção
de ser ardido

e beijar
o beijar

vazios de coragem
voltamos apesar
a um curta metragem
que não se explica:

minha pica inominável
é a casa do caralho
até babei, será
que lei?
aquela sineta
toca
na
buceta
Pirinópolis?
conheces?
caminho da minha greta
senta doido, senta
na buceta que é corneta!
Pirinópolis
interior de Goiás
como minha bunda
você se satisfaz?
deu mão
queres o braço
vem de boca na boca
que o caroço é cabaço
vem
de
lomba
no
meu

teu cinismo, o mel, minha buceta ou própolis?
meu orgasmo de antemão
pomba rolinha maldita
em teu falo
crioulo acredita...
saltita rolinha maldita
senta na rola e chora
goza pra fora
o ressentimento que de- vo- Ra
sem reclamar
mama o leite teu que empedrou:
rocha láctea!
indo no leite do passeio de tua teta
abra! abra!
o caminho da tua greta
e espera! espera!
espera que é de pêra

6 ou n - Do tchau no cotidiano fantástico

Espero você vir. E quanto esperei esses dias. Estrangula e eu vomito um soco. Penso no cordial poder de meu mafioso-mor. Mate-os de carinho, Corleone! Que por aqui também faço hecatombes. Outro dia amarrei um falso italiano na árvore com uma grossa linha de pescar em arrastão e queimei o sofredor por profissão até a espera de vê-lo sucumbir. O que tardou. Carbonizado ainda tinha estruturas que cismavam em verticalizar – até eu tacar grande pedra para quebrar suas pernas. Nos pés do corpo roupas, pentes e fungos viravam brasas. E quando tudo era só brasa dei minhas costas. Não estava ali para... Branco me toma. Paro. Vou ver meu chá e relembro antes o meu exercício daqui. Não lhe escrevo minhas arquiteturas racionais, as moradas firmes do pensamento. Escrevo de um quintal que ninguém vê. Nem eu. Escrevo dos fundos, do que há atrás do pensamento e não, não sou dessa brincadeira um pioneiro. Bruxa me sussurou a receita do sopro da vida: o não-belo da coisa em si – e antes disso : o si da coisa e o lá do tempo. Sim quero lhe contar. Mas não se pode tudo agora, ainda me viciam os incensos. Vou ver se no chá há bolhas porque ferveu. Acordei hoje com a moleza do dope. Acendo um incenso: volto à cena do crime. Com calma, quero a sua calma. Quer aventura? Jogue-se no trem. Que aqui eu vou na janela. E você no corredor.

Sim. Volto à cena do crime. Preciso lhe contar porque não quero esquecer. Você deve, mas eu não posso. Se esquece a morte, mas não um dia de morte. Se desfaz o luto, mas não o funeral, fato-mortem, ocorrido. Entrou alguém aqui no quarto e eu fugi. Levei você comigo na corcunda da minha cabeça. Quero que estejamos a sós. Saiu há um minuto. Nessa tarde lhe dou o presente que é quase. Não fosse a inaptidão dos meus neurônios para a datilografia eu teria cortado os dedos. Nuvem, nuvem... Choveu? De volta estou na cena do crime. Escrever não é coragem, é a doença do registro. A imortalidade do fatal.

De mochila incendiária nas costas saí à cata de um lugar para matar. Carregava um guarda-chuva mas não tinha... Paro. Me sinto traído. Troquei os presentes nesta tarde natal. Estava dando o passado mas isso é para outra pessoa - para um outro isto. E carinhosamente, carinhosamente... Posso lhe chamar de aquele? Preciso da bebida impessoal, pois assim fico quando me embriago. Mas ainda está na minha mente o guarda-chuva que foi estaca que furou o corpo já defunto em mágica maldade. Sim, há maldades mágicas e estas odeiam ser confundidas com perversão. Matam em ritual para salvar comunidades e as minhas elas têm salvo. Salvaram meu povo quando as lavas perseguiam os tijolos e tudo que estava de pé. E agora treinam para salvar meu povo ribeirinho de uma enchente que está por vir. Não, não é água com gosto de chuva. É água-terra de poça que se alarga de moléculas descontraídas, empurram barro, esculpem grãos: o ócio criativo do custo de toda barragem. Não há hidrelétricas sem grandes poças. E hoje aqui faço: dinamizo energias. Sente aí? Acende-lhe alguma lâmpada? Talvez ainda não. Mas aproveite então o escuro, que do nada preto se vê melhor as estelas. Acendeu-lhes alguma lâmpada? Vê se sim. E as favelas não parecem árvores de natal?


O verão já não seduz tanto. A não ser sua noite : que no sol o cheiro evapora, mas na noite quente as damas da noite se alargam devagar. E todo cheiro se debruça ou ataca. O chá quente me sobe e o calor começa a ficar menos suportável. Vou ligar meu marimbombo...mas e o barulho das folhas que o vento lá fora atiça? O frescor ou o atiço?. Paro. Releio, revisto a carga proibida que já lhe dei. Penso que naquele dia saí de guarda-chuva e era verão. Não choveu. Mas eu saí e as brasas agradeceram por não ter chovido. Estragaria a festa incendiária. Ai! Meu sonho é comer todas as vírgulas e trocá-las por dois pontos que acasalam e de rebento gráfico nascer a reticência! A vírgula é uma fraqueza que procrastina didático-moralmente. Não me justifico, você não me conhece. Viu? Caí sem querer nela. Fugi esquivando o pé de uma merda-cão e me cagou um pombo no ombro. Não, não tocou meu ombro. Havia pousado nele uma coruja que sem um pio aceitou a descortesia de sua prima como um descuido desproposital. Foi um flato ancião. Não choveu. Mas para lavar meu guarda-chuva do pó de cinza caminhei da pedreira até a areia da praia. Do sólido ao filho erodido. Lancei a ponta dele na água e afoguei a alma do morto. Apontei-o para o céu. Abri. Nenhuma gota precisava justificá-lo, ele que existia, ele-si. Ele que é um eterno pára-raio. Escrevi “tchau” com a ponta na areia: que tchau não é adeus. Tchau é a morte eterna que não delega nenhum corpo a deus. O tchau não procrastina pela crença no envio de cadáveres ao superior. Coitados daqueles que pensam que um deus cultiva cadáveres. Choveu? Raiou o raio. E eu guardei. Agora vá e leve meu tchau para onde quiser.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Dois mil e 10 mantras nûnquicos

nunca as horas foram
tão longas
e os minutos tão
mutáveis
no breve
ocupa espaço que é de
respirar
e excita
coloca a roupa translúcida do tesão
na antes nuda ansiedade
trepa-se quando se quer
fumar
quem chacoalha as pernas
justificativa trêmula para
não andar
nunca fui tão humilhado
nunca estive tão perto
nunca fui tão traído
nunca fui tão ameaçado
pela permissividade
do que era meu
e nada coisa minha
nunca choveu tanto em
abril
nunca tanto calor
nunca tão pouco vagalume
ou muito nada de pirilampo
nunca o que era lobo
tornou-se tão lobo
nunca mentiram tanto pra mim
nunca abusaram tanto
nunca menti
a cínica polidez
nunca morri por vezes
nunca me deixei
castigar tanto pela
outra vaidade
nunca foi tão seco
apesar do gelo derretido
nunca gelei tantos
corpos e olhares...
nunca minha libido
foi tão estuprada.

nunca fui tão pedófilo
(nunca pedi tanto
ganhei nada
mimei eu tanto)
quando me esfregava
nas minhas infantes memórias
para excitar aceitação
dos meus erros
de mundo
nudo


nunca bati tanto
sem ter apanhado
sangue no chão
por merecer

Nunca Deus foi tão zé-ninguém.

E nunca
o eu mesmo
foi tão eletrochoque

nunca o crime foi tão
ridicularizado
tratados como patifes
Que
Estado-Deus
É
ESSE ?


Nunca o império da águia
foi tão fundo falido
nunca
r a s te jei
pedindo tanto nunca

Nunca um aniversário
ódio do acaso
fui, flui. fluí ?

foi dádiva e chicote...

nunca me bati um tanto
nunca traveca-champagne
teve tão pouco gás
nunca hermafroditas alguns. foi tão
torturado.
nunca o livre foi tão.

tive como desperdício...

nunca o feminino foi encarado
como fogo de Estado
e
s
t
a
d
o

!

nunca as estações
tão desejosas
e
diluídas

nunca os arcabouços
das representações infantis do qual canhoto
foram tão temidas e citadas
-
tão lindas que são .

nunca os atores
se confundiram um tão com suas máscaras
ao ponto (ponto!) de não responderem
mais ao que foram chamados –
por terem dado nome:

peito de quem se delata...

nunca apanhei tanto
no chão
a mim mesmo
de mim mesmo
e
quem em mim adaga
no lugar do carinho

nunca me vesti tão mal
fiz tão mal
me fiz.
nunca meu drama
ficou tão por ele reivindicado
nunca ser brasileiro
foi tão desejo de consumo
e todos estes taos tão só surpresa

o tão é o tamanho do inesperado
corre contra por ser oposto
ao tamanho que era acúmulo em si
e não a altura do inédito
“nunca foi tão”... não sei.
se o tátil vívido
que é o meu
os antecedentes da fibra-tempo
desconhece
sabemos?
Sabe.

nunca o verde foi tão
Verte.
ver-te
em ver-se

verde sem ser dinheiro.


nunca o livre andou tão distraído pelas ruas
ao julgar que o meio-fio
esquadrinhava
suas meias vidas
que pintadas de piche
eram mortes inteiras
entre noite preta
amiga do não visto
onde o que era metade
se escondia.

nunca o chicote foi tão
fino e diminuto
virado espeto
pré-folha de cacto
desaguado
apego de gota
que fugia
o sol borrifava sal
aberta ardida ferida

nunca a existência foi tão desapropriada
eu choro quando eles dançam
rio quando se matam
e plantar bananeira quando se tem quatro cabeças
é ser uma mesa com umbigo :
nunca a cadeira
foi tão menos cadeira
o outro dos outros:
isto já não podia ser eu

nunca o grito foi tão mudo
que engolido seco
coalhou o choro
pretos lactos mudinhos livres

nunca o gentil foi tão inexpressivo
e, descomovido, o poço, afeito aos espetáculos supliciosos,
desistiu de dar mola
por desgosto
e ela nunca tinha sido tão esperada.
fez lembrar o moço
que mesmo o poço em sua superfície é espelho
mesmo fundo depois da imagem
quão fundo for
fundo sujo o espelho
é

nunca a fumaça foi tão injetável
e o fálico imagens de casas malucas
nunca ser gaga (gagá?)
foi tão distante
da emperrada fala
nunca Freud foi tão tarado
nunca o mar revolto
e amar tão revoltoso
pelo preto que nunca tão no poder branco


informação privilegiada:
1- nunca tive que perder tanto
2- o alívio :

era só uma mariposa

3- o alívio de ter voado:

que elas são feias mesmo depois do claustro.




Darcy Rebento

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

5 ou n - Do latir no cotidiano fantástico

Acordo. Ainda encharcado de sono estranho o movimento da terra. Que a terra de sexta-feira é sempre mais promissora. Menos para o boêmio, mestre na arte de esticá-la sobre os outros dias.



Por quê você não dirige?
Porque preservei misteriosamente minha morte.



Havia comprado três estátuas em momentos diferentes. À uma foi negado o direito de seu respectivo domicílio. Hospedou-se na cegueira materna e nada viu. Achei que aquela ancestralidade não merecia tamanha baixeza. Duas tudo viram. Parece que tenho certa repulsa à aprovação delas. Era desamor reprovar assim e pertubador o que eu não ouvia entre seus cochichos. Quase escrevi teus agora. A favor de quem é a minha sabotagem? A sucessão de êxtase já me deixa e repõe uma calma dura. Minha tarde foi marcada pela agonia da dúvida e o cansaço da leitura entre sonhos. Li, dormi, li. Adoro esse entre onírico, intermezzo de irrealidades palpáveis. O tato. Tatei-se e veja como suas mãos são doces para você. Talvez no fundo seja este único toque que deva ser guardado. Ele só há de ficar na pele em doenças de amor. E como são risíveis as doenças de amor. Paro. Penso em alertar: hoje escrevo com tédio e isso pode ser contaminoso. A idealização do mundo é o fictício bastardo do que se quer lembrado em contínuo.

Tenho ouvido menos música e mais barulhos. A rua e suas desgovernanças, a televisão do outro lado da parede e hologramas, muitos hologramas. Já tenho os sentidos numa confusão que os potencializa. É um susto de halos o cheiro do it. Invisível e colorido, leitor. Queria te ouvir latir. Podemos ainda tecer um abismo entre a linguagem e isso requer teu cotidiano fantástico. Custa a morte de falsa luta para a vida de batalha. Custa matar o mundo e fugir armado; o entendimento entre três latidos e dois miados. E o latir me é recorrente hoje. Tenho tido conversas insólitas com o meu cão que sem entender uma palavra dita mesmo assim de nada me acusou. Devo ter contado meu oculto impossível de desvelar-se em palavras de civilizada linguagem. Mas não lati junto com ele. Não podia facilitar tanto. À tarde me abaixei em sua altura e quase havendo minhas quatro patas verifiquei com curiosidade como seria ver aquele mundo pela falta de ângulo. Graus bons de impessoalidade: vê-se mais a perspectiva que rostos. E como é bom não ver rostos quando se tem a cabeça em retidão. Não há clientes para favores narcisos, cuja bondade é sempre um espelho de forças do quanto lhe cabe de admiração pela tenra generosidade. Bondade, generosidade, filantropias... Mas quem estende a mão para as misantropias? Faltam ermitões que as bebam. Sede sobra em todos. Os arrepios da vontade fingem securas para não se humilharem. E pedir mais quando não se tem sede : isso é fome de afogar. Sobram os ermitões dentro de mim que , sem par, chamam pedras de cometas. Cavalgam voando no fogo porque têm sede do vento de fora da gruta. Estranham o fresco por terem se afeito ao úmido. Mas voam ou pensam voar. E bebem o vento de fora. Sem humilhações, não há estátuas que os denunciem. Bebem, bebem... até a primeira barbatana nascer. Depois ela para elas: nada.


Por quê você não digere?

Porque preservei cautelosamente o dia da minha cura. Que se faz quando algo sai. Para esse dia inventei um tempo.




Todo segredo é um buquê de poderes inconfessos.