terça-feira, 28 de abril de 2015

teu corpo
                 hera desfolhada
em lâminas de chumbo
fino
me cortas
sorri :
            relampejo

teu corpo
casco de
árvore
como se fruto
canela tivesse
maçã escura seiva de mogno
úmido, tórrido
alimento
incandescente
polpa de brasa
e lambuzo
tu queimas
sei eu
teus pés correndo
chama vertical acesa
teu corpo
dançando com esquivas no vento
golpeando o ar de fumaça muda
feito vulcão desgelado
rouco
partidor de icebergs
fogo! inflamador de azul
ladrão da calma
sussurro cuspido de pólvora e clarão
teu corpo
parte e partirá
à qualquer hora sem aviso
meus olhos estarão no cais
linceando teu navio de fogo fugidio
velas, labaredas, cera,
teus frutos cozidos perfumando
a noite dourada
o vento,  canela
teu corpo ido
fumaça caminhando nas águas
meus olhos estarão no cais
sentarei
no primeiro pedaço de chão
abrigo de ondas
com ouvidos nas mãos
taparei os olhos
e como um feto perdido
dentro da concha calcificada
cerrado na memória do teu fogo
incendiado
sobrará dos meus ossos a única pérola
eu-pingente no teu pescoço esguio
 terás perdido nas cinzas
                                                                        o último tesouro
debaixo da altura de seus olhos
serei jamais visto
perto demais estou de ti.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Desclaustro do som- I

Da série " Desclaustro do som"

I- 
Pulsa!
Pulsa!
uma vela amarela a anjo algum
minha vontade inviolável
de prender a respiração e cavar redemoinhos de fogo
para encontrar amor nenhum
além de mim
desconfigurado
Retalhado, espelhado
se cada poeira refletisse um pedaço da obsessão
de ter sido alguém desterrado
cuspido
de um país expulso
Acordo
E acordo de novo
Porque já não sonho morrer
Vivo de querer o simples
Vivo de desquerer a morte
E morro esquecendo do tempo
Ele mesmo
Minha ampulheta de ossos
Esqueço
Porque apenas o ato surreal de existir
Já é uma fagulha de dúvida
Meu tamanho diante do mundo!
Esse mar de elétrons e carne!
Toda essa quântica que desconheço
E a dúvida faz morrer
Bem mais rápido que o tempo
Existo simples
Apesar dos meus enfeites
A alma deve ter um cheiro
Um cheiro qualquer de flor
Descansando em pedra
Sonho, enlouqueço,
Acordo e acordo
De novo
Já não morro tão rápido
Já não vivo tão devagar
Deito na dobra do tempo
O interstício impossível
Lago quase nuvem
Nuvem quase lago
O tempo do vapor
O hiato das moléculas
Um nada nunca é um quase nada
Um todo nunca é meio todo
Na nuvem quase lago
Evaporo.
Dinamizo.
Renasço
Recriando o espaço atômico costurado de palavras
Que são quase nada
Todo do muito que nunca é dito
Desperdício de silêncio
Esse sim
O maior bem que há
O crepúsculo do som!
A nuvem de lodo que brota no fundo do lago!
A evaporação de todas as estrelas
Quando o universo mudo
responde simplesmente
O esplêndido, quieto e negro
Ato de existir

Os deuses deitam em silêncio
E despertam com o próprio susto
Do som de suas gargalhadas.

Poemas de contenção ou A descura insana 3

3-
pedra grande esta que me vê
mentira!
perto dela nada sou
eu que rolo ela
só dorme
o sono dos justos porque só
são.
chove fino envolta do bambuzal
uma moça de olhos verdes
na roda, pede aprovação
e me parece que essa tal
de arterapia funciona
mesmo sem arte
chamariz bebeu da fonte
medroso, engasgou
viu os loucos, os decrépitos
com os carcomidos almoçou
desceu
no que sobrou de vivo
desconcertado
espirrou entre as migalhas
              tudo no chão
              tudo com fome
 à beira da trilha
insaciavelmente marginal
a psicóloga desarramou seus sapatos
negou a ajuda de um viciado com olheiras
eu vi. ele não:  ela talvez.
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                  O TEMPO NÃO VOLVE
                   Já dei todo meu falso dadá
                              meu torpe dadá
uma criança tenta olhar o que escrevo
e hoje não quero crianças apesar de amá-las
nem pó, em que pese e levite o gozo
pela minha loucura centrada troco
de epifania, casa do amor-dádiva
por moedas, por bananas, pelas teias
                    O TEMPO NÃO VOLVE
                    O TEMPO NÃO VOLVE
                    TODO MEU DADÁ, DAR-TE-EI FINGINDO
                    HEY, DADÁ
                    MAS O TEMPO NÃO VOLVE
                    NEM PRA VOCÊ, DADÁ!
                    QUE JÁ É TUDO E NINGUÉM
                    FEITO UM BUDA DE PRATA DERRETIDA
                    POÇA DE LUZ GRAFITE
                    ARREBATO DE GRAVIDADE E METAL, HEY DADÁ!
                    SOIS BUDA, PUTA E MENSAGEIRO DO CAOS
                    SURUBA QUÂNTICA DE ELÉTRONS
                    PRENÚNCIO DA FORMA
                    LUMINOSO, ETERNO, BELO E SUJA
                     RECÉM-NASCIDA LÓTUS INFAME!

falam da ceia de natal
uma ceia no hospício
um lual sem praia
estrela do mar
             rosa calcificada:
                                         um beijo
                                         e dois desertos

iluminar de fogo um jardim de cactos
engasgar de chuva a boca
seca
-torpe imagem-
ELE TEM MEDO DE MORRER ELETROCUTADO!
CHUM!
virou alma
 doida carne derretida                           
pulando amarelinha nas nuvens
arrancando barba de santo
esperando trovejar na cara de um espírito qualquer
REENCARNA, DADÁ!
REENCARNA!
porque todo cemitério na noite tarde
é um baile de sombras sem gala
LEVANTA E ANDA, DADÁ!
LEVANTA!
a linguagem te trai!
o código escrito  tua amante desonesta
sonhe mudo, dadá
pré-pense o gesto no corpo de luz
um aceno desembaraçado da carne
que pule como um orgasmo sofrido e duradouro
porque parido das estrelas  distante e perto!
UIVE TEU GOZO, DADÁ!
ninguém lembrará de ti
só os vulcões reconhecerão teu nome
e uns poucos humanos feitos de fogo
lógica insana  tuas pegadas vivas
pingando ardência pelo caminho escuro
ainda nosso melhor antídoto
alho e estaca cravada
na normalidade que insiste

a matança dos sonhos despertos.

Poemas de contenção ou A descura insana –2


2-
Pessoas levantam halteres de pedras
e minha fada no halo
                         nada fala:
                                         deita o sol
todos muito bem medicados
jogam futebol
              eu
                  sozinho chuto
                                                            minhas palavras
              boca adentro

não sei que dia hoje a lua é
         e nem se a cocaína
         roubou de vez  o poema que nunca
é
nem será
meu
caleidoscópio de pano
essa colcha de retalhos
e letras:

ESCREVO:
MAS NÃO HÁ COMO ESCREVER
                   ARARAS
           SE SÃO POMBOS
ME ESTRISTEÇO
ESTOU PRESO
fora de qualquer metáfora
ESTOU PRESO!
salte de mim um homem melhor
salte de mim um equilibrista, um marceneiro
dêem de paulada com uma escada!
me surraram na ponte
e não atravessei
era escuro
tão escuro
os vagalumes fugiram e as cigarras 
comendo
suas próprias asas
emudeceram
ESTOU PRESO
é físico e fora de qualquer metáfora
ESTOU PRESO!
ISSO TRANCADO DENTRO
PULOU NO TILINTAR DOS CADEADOS
NA TRANCA, EMPAPUÇADO DE ABRAÇO
PEDRA, MEL VERMELHO!
DOCE SANGUE ESTANCADO ENTRE PAREDES E VEIAS!
lembro ter sido um feto.
um tigre de Hilda, uma lança
um louco ferido
 que em vez de acenar com o lenço
se enforcou
VIOLADOR DE UNIVERSO! FUGITIVO!
ASSINANDO CONVENÇÕES
SUJANDO O NOME
BARRO SINTÉTICO
COM FLORES BRANCAS E MENTIRA!
zunem baixo abelhas com penas
MONSTRAS QUE SÃO
fazem casa e mel
na parede dos abismos
me trancam às 8, me soltam 6 e meia
                        e no meio disso
                                 livre
                               sonho
acordo no verde-pálido
              hospitalar
                              a tatuagem aparece entre meus pêlos
                                       mais anedota que desenho
                                            como posso carregar
                                                  LIBERDADE
                                              num lugar desses?

um velho alcólatra caça pitangas
            já não reclamo: há àrvores
mas um bosque em contenção
           inda é um presídio, né, meu deus?
amarrado clamo
          uma chuva de tesouras
Aqui, os loucos caminham de forma retangular
           e dentro disso tudo
                 uns gritam gol

                        eu grito ai.

Poemas de contenção ou A descura insana - 1

Poemas de contenção ou  A descura insana

1-
o canto do pequeno pássaro 
               entre gotas
                          rompe a chuva   já cessada
hospício de sóis e as luas em jaula
        gastam o domingo
               como quem morde uma
 maçã podre e ordinária
desesperados  porque demais famintos.

HOJE A LOUCA EUNICE NÃO BERRA
a sombrancelha fatal não ar
                                                  quei
                                                            a
e cravados na grama meus pés ainda pisados!
O VERDE! O VERDE!
AFUGENTE DESSA CLÍNICA O GRIS!
SORUMBÁTICO GRIS! DEUS-DESCONHECIDO!
E tenhamos um sonho onde
a janela abrir depois dos olhos cerrados
a paisagem vermos sem cadeados
admirada.

Desclaustro do som- II

Há um homem
o homem ensina o homicida
o homem ensina o homicida
o homem ensina o homicina
                             a rezar
desaprende o homicida
desaprende o homicida
                          a dançar
seu terço uma âncora
seu terço uma âncora
seu terço uma rede
seu terço uma rede
um cordão de âncoras
arrastão de bigornas
essa rede no mar
quisera  um barco
enfeitado de penas
magenta
fúcsia
cortando a espuma dourada
afogando a luz
já é noite
na cabine a cama de pregos
deito em pé
num cabide
pêndulo
forca
isca de mim
colapso frêmito de corpo
debato no ar
peixe de pernas
olho fundo e estalado
já é noite
resta dormir
olhos abertos
esperança solar
ele chega
 evapora a lágrima
num facho de luz
seco
dentro o sal
arde
mas nada apodrece
o sal nunca esquece
o ofício

de matar.    

Trecho - " Os 13 bilhetes


Naquela dia ela dançou sozinha e chorou. Nem vassoura houve, artifício de anti-solidão. Ou a dança das cadeiras, pura queda. Chorou pingando pela sala água de olho e suor. Houvesse um espírito de qualquer-coisa -qualquer que falasse uma língua não-dita, talvez ouviria algum conselho. Era lua cheia, mas já não era tão verão. Não era outono também. Talvez tivesse que inventar uma estação. Ou um trem que partissse sem vaguear a partida ao meio, sem destrilhar seu coração numa poça.
De repente, se contorcendo de dor, como se pequenos nós atassem e desatassem incessantemente suas vísceras, abriu uma gaveta. Achou um punhado de papéis e uma oração amarela:
Que o universo lave
Do teu olho a inveja
Em sua secura chova luz
Dos braços tortos mova o abraço
Cumprimento corpo a corpo
Almas irmãs do clarão, elétrica e fogo
Que não assassinemos as crianças nossas
Órfãos que somos de nós mesmos
Velhos demais para morrermos livres
E novos demais para vivermos em grades
Transmutemos a repulsa em afeto
Os nomes em verbos
O adorno em nudez
O escândalo em silêncio
Transmutemos o desperdício em generosidade
O açoite em afago
As tesouras em laços
E o que deve morrer que morra

Nasça o anônimo iluminado
A criança vigorosa e desmedida
O tigre entre lanças
O peixe entre redes
O elefante de marfim
Os cavalos correm para lugar algum
Que nossos escudos de faísca e bronze
Amparem do infinito a dor
Rios de lágrimas desaguem
No nosso deus desconhecido
Terra adentro caminham também as águas
Como a lava andarilha o fogo
Brotem fontes aos nossos pés
Negros, molhados e humildes
Bradando em silêncio explosivo
O inominável Deus.
Leu. E parou de dançar. Talvez nunca tivesse ouvido o ruído do seu caduco coração. Se distraiu nesse palpitar estranho. Perturbada pelo seu próprio descompasso, parou de chorar. Deixou-se ouvir minutos a fio e sentindo uma liberdade atroz rachou por dentro. Abriram-se os diques, alagou as vastas terras que eram suas e por tal tamanho não as via. Espantou os ribeirinhos, afogou uns tantos. E os bichos correram por suas costas hipnotizados pelo abismo, só porque seco fosse, esquartejados pela gravidade e chão. Talvez naquele dia o deslumbre do que seria a liberdade fosse realmente quase um abismo. Das suas igrejas, sem remos, de longe, só se avistava a cruz. Nela molhada e abismada se agarrou. Silenciosamente chorou por dentro toda cinza, tempestade que era. Tudo aquilo era pior que dançar. Quis rasgar a oração, mas já não podia, lida, infinita que era, algemada na memória, por um instante, quis ser criança. Chorou alto de novo. Amarrou pedras aos pés e de cima da cruz quis se atirar. Mas havia chorado pouco, raso era, à morte não prestava. Resolveu ficar em silêncio, desceu da cruz, nadou até o abismo, rodopiou, dançou de novo por insistência do vento, caiu fundo e de tanto silêncio, já não tinha voz que clamasse o próprio corpo. Menos cinza ficava, mais amarela, todos os bichos desencavaram-se do abismo e rápido chegaram : já não havia corpo, nem costas. Ninguém tinha visto, nem o abismo, um sol com lábios tão bonitos.

Desclaustro do som III

III-

Você:
Um feixe de elétrons rebatido em cristal
Não se alague
Não se alague
Não se alague
Há uma pequena luz eu garanto.
Olhe pela fechadura
veja se não há um sol
como se você tivesse engolido
o seu ventre
se cuspa
se cuspa
remele-se da poeira dos que dormem
e antes do espelho
vão as ruas
cheire teu cheiro, dadá morto! E viva!
renasça do teu colostro empedrado
o esguicho na tua teta de pedra
correndo as lavas embaixo de ti
extensão das tuas veias e ombros
dinamite o complexo
dinamite o complexo
dinamite o complexo
Troveje!
Troveje!
Troveje!
parta o raio o próprio porto
parta o raio o próprio porto
parta o raio o próprio porto
cuspe de fogo na nuvem
t
u
d
o
d
e
s
c
e
tudo
desce
tu
do
des
ce
tua anormalidade é tão comum
tua anormalidade é tão comum
tua anormalidade é tão comum
deschoque o capeta
embude-se
embude-se
embude-se
embude-se
embude-se
tua a anormalidade é tão comum
desfarde-se
desfarde-se
desfarde-se
nu .