segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Asa e gordura

pousa e repousa
tenta calçar o chinelo?
come a mosca
a gordura das minhas
pegadas
pousada
ela me fita
com caleidoscópio olhar
parada
no preto da alça
esconde para rir
do tapete felpuldo em volta
um mar de revoltosa
espuma
para ela
pequena negra
muitos de seus parentes
vieram também nas feridas
negras do navio negreiro
outras vieram atrasadas
por debaixo
das saias de moças bigodudas
da mal cheirosa corte portuguesa
são por isso
as moscas
impacientes
e
poliglotas
nada sabem agora
aprendem no ovo
e esquecem.

comia a mosca
a gordura da minha pegada
fico feliz em ter sido
por segredo designado
a escrever seu diário de bordo
mosca catarse devoradora
zumbido de ferida
asco volátil
chove pesado já fora
vou te chamar um táxi
comprar galochas
saciar a tua inveja dos meus chinelos
não, nome não se compra,
vou catar um na rua e te dar de amigo oculto
no próximo natal
que piscará na tua comunidade mosquenha.


peço em troca
a permissão
de quando em quando escrever
algumas páginas do teu diário
porque tu não sabes negrinha
quando escrevo tua vida
de pequeno corpo pulsante
eu que perco as asas
viro larva de novo
e pouso
bobo
finjo tudo isso
só pra ter o que escrever
minha alma-tinteiro
sabe o tempo que dura o passado em mim
e distrai carrosselando palavras
os minutos necessários
para a fuga do comigo incólume.

escrever as tuas fotografias
é incendiar o projetor
dos meus filmes tardiços
dividir
o espaço com tua universalidade
a sair eu do navio negreiro
atracado e cheio de vergões
alvo açoitado margineiro.

mesmo sem voz
com teu zumzum
saias por aí avisando
que agora tenho tempo livre...
que agora me demiti
do meu antigo emprego de maquiar cadáveres
fale com as abelhas, marimbondos e libélulas
que sou fotógrafo de letras
e aceito como salário
o sal árido dos silêncios e qualquer
gaveta no cemitério
onde os que despencam em si
velam suas asas.

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