quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

7 ou n - Dos ladrões e crianças no cotidiano fantástico

Sou um farol de rochedo flutuante. Tenho rocha de nome. E meu cérebro é uma colméia. Estou agora num quarto que é de mãe. Onde é silêncio. Espero daqui sairem todos vivos ou verdadeiramente mortos. Minha missão: apenas uma agora. Aprender a ser criança com crianças. Preciso voltar ao pré-pensamento, a pré-escola. Preciso aprender a transaprender. Aprender tudo de novo desaliviando o presente fugidio quando não se tateia firme os sentidos. Do mais o presente é uma contração vigorosa de todas as moléculas do passado. Se nos foge o futuro porque esperançoso e sempre o desdobramento arrependido do anti-ideal, quase voa o presente inaudito. Meu tempo morreu precocemente. Sim. Estou chorando e não quero parar. Ouve? Estique o pescoço... Ouve? É que meu choro é você, que é um nós que chama de mundo nossa própria criação. Meu choro é o brilho excessivo e aquoso do deslumbre vital. A experimentalidade se faz nos átomos do sangue. Se eu sangrasse de repente te mataria.
Talvez o seu desaviso, acostumado com os lirismos iludidos do romântico amor dificulte sua compreensão. Escrevo aqui o vivido hoje-agora. O jorro do cotidiano fantástico. A lente aguda de cima e degrau. Tropeças... Não tente me roubar metáforas. Já roubei tanto de mim que não mais as tenho. Te escrevo sem truques gatunos, não vou roubar tua imaginação. Ela é tua e deve ser. Por isso ainda não te conto um conto. Não há o dito do ladrão que rouba ladrão e seus perdôes? Somos ladrões. Não nos roubemos.
E não te roubo porque não quero perdão. Não posso ser perdoado, porque em mim justificarias o teu bom e o teu mal: o que me traria a traça da culpa. E me quero bem. Somos ladrões. Um ladrão depois de cumprir pena é menos ladrão? Uma de nossas diferenças é o fato de eu já conhecer a minha pena. Já sei os anos e seus números e suas dízimas periódicas quando se tenta dividir o indivisível inexato. Mas já cumpri minha pena. Estava preso sem ninguém saber. Por isso agora me recuso as penas, porque nasci. Porque o ovo era ontem : um neném galinha não pode ter pena. Cumpri minha pena dentro do ovo. Talvez outra diferença: era um ladrão de galinhas. Você um tu perverso. Um homem do saco que roubava crianças. Seqüestrador devolve quando na recompensa expectada. Eu roubo e não devolvo porque o que é meu é teu. É teia que roubo se posso refiar. Se eu sangrasse de repente te mataria. Paro. Desencapou um fio. Vou tirar da minha boca o gosto de café.

Volto. Nasci ontem. Preciso aprender com as crianças, não quero abafar. Minha cabeça gira por dentro. Quero terra para plantar amigos imaginários e quando isso brotar te dou um conto. Que flor brota no gelo? Como se decora um iglu? Se eu acender uma lareira dá goteira que desaba o teto porque derrete? Perdi o interesse de conversar com os adultos. Para eles quero ser um cego: justificativa para tatear seus rostos sem embaraço.
Isso. Vou apagar a luz dos meus olhos porque não quero espelho. E olho de outro é espelho alhures perto. Vou instalar um interruptor no meu olho e apagá-lo quando quiser. Sou ladrão. E tenho arma contra narcisos. Você também é ladrão. Mas não sabe o tempo da pena. Porque mesmo se te prendessem e soltassem tua pena seria eterna. Dos átomos do tempo só vês uma massa-nuvem. Aglomerado de culpa. Não és ladrão. És um prisioneiro que rouba de si porque do banho de sol não rouba as grades.
Eu sou ladrão de galinhas porque sou ovo e roubo o cálcio da vida. Se eu sangrasse perto de ti talvez te mataria. Você ladrão é o aquele chamado no 6 carinhosamente. Você ladrão hoje é isto: sequestrador. Isto e aquele que sou eu lido em nossas prisões. Tirem as grades, paciência: sobram os muros. Escalas? Se para a morte não há escala maior do que a escalada menor que é a descida íngreme até o micro-cosmo. No inferno pequenino onde moram as grandes vidas. Roubarás, gatuno? O que se não enxergas? Estamos quites. Vês? Agora também não enxergo. Desliguei pra te tatear o meu interruptor. Sem embaraços.

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