quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Caleidoscópio de histórias preguiçosamente inacabadas

Há aves no céu à noite mas ninguém as vê.



Naquele dia depois do incêndio, já cansada de ter fumaça no bico e toda se coçando de cinzas, resolveu se lavar numa poça já no caminho de casa. Se molhou uma vez, se sacudiu, molhou outra vez e deu de cara com uma coruja todinha preta e cinza. Como nunca tinha tomado banho, talvez porque nunca havia se sujado tanto, não sabia o que era um reflexo, nunca tinha se olhado no espelho.


Emilia era  pessoa que não comemorava aniversário.






Era uma daquelas noites grávidas de chuva. Noite tola, bem tola e gostosa. Tinha a esperança sentada em uma cadeira de praia em frente à porta de casa. Assim mesmo. Descontextualizada. Cadeira de praia longe do molhado. Por aqueles dias dormir era quase uma fatalidade. Demorava o sono e quando vinha preciso era agarrá-lo de vez antes que partisse. Afiou lentamente suas unhas, massageou suavemente suas mãos. Agarrou. E já vinham os sonhos. Divina era dessas que sonhavam cochilando. Tinha o raro prazer de ser assídua de um surrealista cinema do foco de si mesma. Mal fechava os olhos e elefantes já marchavam dentríris, ou sapos de longuíssimas pernas comiam panteras como confeitos de bolo. Nos seus cochichos internos de fato não achava motivo de garbor, apenas era. Seus sonhos apenas eram. Como ela era  : inseparável deles. Mas voltando a noite tola, grávida de chuva. Na cama, inquieta, insone, às vezes parecia crer que intuía chuva como se as pequeninas cãimbras frias do seu estômago fosse o chute do raio, golpe infante na barriga do céu a parir a chuva, fraca, às vezes, também tola, que viria. E tola não porque as plantinhas e os fogos demasiado ardentes do mundo não precisassem dela para arrefecer, mas tola porque em hora daquelas,  apenas um par de horas do seu duro travesseiro até sua alvorada própria, o cansaço de viver o dia conferia torpeza  a qualquer tipo de coisa. Ás vezes como uma notívaga abelha planta pólen em damas da noite cavernosas, vestia luvas de borracha e começava a remexer vasos deixados a esmo no canto da varanda.  Apenas um nome utilitário para o que viria depois de virado lixo ser transformado. Nada que coubesse terra jogava fora. Num canto ficavam os potes de maionese vazios já lavados. Num outro lado os de iogurte, margarina e latas de leite condensado...







É como se o mundo viesse morrer nos meus braços.


Sequei-me em palavras. e já nada pareço ter de semelhante. um vazio: uma falta de medo.  é chegada a hora estanque. chegou a ré, vira e volta.  Antigos invasores ameaçam, como se instalado tivesse o grão vizir da sua multiplicidade. O que alaga o Sudeste são os rios de nuvens do cheiro denso e aquoso da Amazônia. Voam rios e batem nas cordilheiras andinas para enfim, chover aqui. Nossa chuva tem jeito de sambaqui. Nossa? Quem é nós?  Se mal posso ser-me todo, desfuncional para minhas próprias multidões que sou.




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