te vejo na esquina, poesia
a tua saia rasgada
tuas unhas pretas do pé
teus olhos boquiabertos
o olhar de dente
e as mordidas dos teus cílios
:
esquina
o dorso nu
o colar velho de pérolas
:
te vejo na esquina, poesia!
tua cara muda de Maria recém-prenha
a perder teu Jesus pequeno
teu andarilho de marés,
capitão de nuvens
e senhor das colinas.
já quebraste teu cajado, poeminha!
e a névoa do bosque
era só teu bafo amanhecido
de árvores podres e pedaços de lagos
que voam evaporados
ensopando o orvalho em pardo brilho.
já furaste o próprio olho, poesia!
embolada em agulha e novelo
de uma roupa nunca tamanha
pra tua nudez obscena.
os dragões vermelhos do mar!
a rejeição bem quista do outro!
o salvador da solidão!
o guarda noturno e a puta!
o cuspe de lava
a inconstância da terra
o tremor
o gás
o pó
a morte
e tu, poesia.
já te reconheço nas entranhas da terra!
no secreto do fogo!
e sei que és um mim outrado em chama
escolha entre o calor e o invisível
porque timida
em vão
não te deixas ser vista.
a rua de buracos
teu salto grande
e o caminhar impecável
do teu feminil travesti bem dotado,
poesia!
e pode uma puta tímida?
aceita o tapa
e acorda a noite com teu grito
convence tua lucidez
da força que o gemido tem
depois do urro
e o silêncio orgástico !
Essa cara suja de sexo ruim
e corpo amanhecido em cama estranha!
Recomponha-te, poesia!
Ou perderás a hora de gozar de novo!
E NUNCA
NUNCA
é cedo ou tarde pra morrer!
Teu riso suicida inútil!
até quando?
até quando?
renunciarás a tua imortalidade vencida?
e ouve bem
ouve baixo
escuta a lingua negra
escorrer lânguida na sarjeta
o arrepio explosivo do rio
quando beija o mar já doce
porque da tua boca
mesmo salobra
só inspira vida, poesia!
E também sujo de lama te abraço forte
suporto a dor da procura repetida
quando basta ser deus-poeta de novo
potência
um gesto
e já és benvinda.
Agora vá...
cata suas coisas...
Vá se lavar!
que você ainda é puta
e amanhã tarde da noite
gozando ou não
é sempre seu dia.
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